A PRESERVAÇÃO DO ACERVO TÉCNICO RECEBIDO
A PRESERVAÇÃO DO ACERVO TÉCNICO RECEBIDO
POR CISÃO SOCIETÁRIA
Fernão Justen de Oliveira
Doutor em Direito (UFPR)
Sócio de Justen, Pereira, Oliveira e Talamini
Ana Lucia Ikenaga Warnecke
Advogada de Justen, Pereira, Oliveira e Talamini
1. Introdução
A apresentação de atestados técnicos em nome de terceiro, para efeito de comprovação da capacitação técnico-operacional em licitação, não implica necessariamente na inabilitação da empresa detentora desses atestados.
Existem situações em que os atestados, embora emitidos em nome alheio, podem revelar a aquisição própria de experiência técnico-operacional. Nessas hipóteses muito específicas, como aquelas derivadas de cisão, incorporação ou fusão, será irrelevante a emissão de atestado em nome de terceiro.
2. Hipóteses de ineficácia da cessão de atestado
Para tanto, deve-se afastar o caso de cessão contratual de acervo técnico ou de repasse de atestados.
Para que atestados nas condições descritas possam revelar a aptidão técnica aludida, não poderão ser resultantes, por um lado, de repasse de atestados e nem, por outro lado, de cessão de acervo técnico realizada por contratos de transferência de tecnologia ou assistência técnica. Ambas as práticas precisam ser coibidas pela Administração Pública porque não atestam a efetiva capacitação técnico-operacional.
Essas circunstâncias, caso se verifiquem, são incapazes de configurar a aptidão técnico-operacional porque o eventual descumprimento do vínculo contratual privado colocaria em risco a execução do contrato administrativo firmado por quem se utiliza da transferência de tecnologia.
MARÇAL JUSTEN FILHO abordou o tema da cessão de atestados a fim de demonstrar a inviabilidade jurídica de admiti-la como evento apto a conferir capacitação técnico-operacional ao cessionário dos atestados - mesmo em caso de empresas integrantes do mesmo grupo empresarial. No entanto, ressalvou expressamente que a reorganização empresarial, inclusive na modalidade de cisão, não se amoldam à ineficácia da cessão de atestados:
"No caso específico [daquele parecer], cedentes e cessionárias pertenceriam aos mesmos grupos econômicos, mas a 'transferência' do acervo técnico não decorria de cisão ou reorganização empresarial." (JUSTEN FILHO, Marçal. Parecer 742/79/SET/2000 : capacitação técnico-operacional em licitações de obra e serviço de engenharia - cessão de acervo técnico - p. 742).
Também acrescentou que "Outra seria a dimensão do problema se tivesse ocorrido integração jurídica total entre as diversas empresas. Já foram feitas referências ao fenômeno acima. Poder-se-ia produzir reorganização empresarial, configurando-se fusão, cisão ou incorporação. Em tal hipótese, seriam abrangidas todas as relações jurídicas de que as sociedades fossem titulares." (ob. cit., p. 754).
3. A detenção da capacidade técnico-operacional: questão de fato
Portanto, a preservação da titularidade da capacitação técnico-operacional para participar de licitação e executar seu objeto após cisão, incorporação ou fusão consiste em matéria de fato, a ser apurada no caso concreto.
É preciso que se verifique a ocorrência de circunstância específica consistente na identificação de qual pessoa jurídica recebeu a atribuição de determinado complexo de atributos jurídicos que conferem aptidão para participar de licitação e executar o seu objeto.
É o que notadamente ocorre quando a constituição da pessoa jurídica resultar de cisão parcial de uma anterior. Caso a cindenda se torne a destinatária exclusiva dos elementos técnicos que originalmente conferiam aptidão para o cumprimento do objeto licitado. Nesse caso, os efeitos dessa cisão parcial atribuirão suficiência técnica a essa nova empresa.
As operações de reorganização empresarial, tal como a cisão, são objeto de específica regulação jurídica, descritas no Código Civil de 2002 nos artigos 1.113 a 1.122. A cisão implica a dissociação do patrimônio, com a transferência total ou parcial dele de uma pessoa jurídica para outra já existente ou que será criada.
No caso da cisão parcial, em que a empresa-mãe continua existindo, a transferência patrimonial opera a alteração formal da sociedade, o que permite a continuidade jurídica entre as empresas. Em termos de estrutura técnica, de pessoal, de bens e recursos econômicos, preserva-se a mesma situação - daí a relevância inclusive de não se ignorar o acervo técnico já acumulado pela empresa-mãe.
O aperfeiçoamento da averbação, aprovação e arquivamento da cisão parcial perante o Registro de Comércio confere a regularidade à operação de reorganização empresarial e a submete à observância erga-omnes - o que impede o órgão licitante de se opor ao núcleo constitutivo dessa reorganização como forma de negar a detenção de experiência técnico-operacional e, por decorrência, rejeitar a habilitação.
transferibilidade do acervo técnico como exceção
Não se pode afirmar que a cisão parcial extingue a aptidão técnico-operacional que conduziu à formação do acervo técnico.
O aproveitamento da experiência retratada nos atestados vai depender da análise do caso concreto. Logo, a solução adequada não é descartar o passado, mas verificar a possibilidade de aproveitamento do acervo técnico da empresa-mãe pela sociedade incorporadora.
Se o aproveitamento for viável, o maior beneficiário é próprio órgão contratante que amplia o universo de competidores e possui mais garantias de que o licitante terá aptidão técnica para executar o contrato.
A transferibilidade do acervo técnico pode confirmar-se não só através dos documentos que ensejaram o processo de reorganização societária, mas também por outros elementos que estejam eventualmente reunidos no caso concreto.
Por exemplo, na hipótese de os mesmos responsáveis técnicos da empresa cindida figuraram como responsáveis técnicos da empresa cindenda. Nesse caso, haverá a configuração de capacidade técnico-operacional não apenas de maneira formal (porque a cindenda passou a deter o acervo técnico da empresa-mãe), mas também material, porque possuirá a mesma condução técnica e organização empresarial (sistemas gerenciais, técnicas de controle etc.) que possuía a empresa cindida.
detenção exclusiva do acervo técnico pela cindenda e o compartilhamento
Diante da reorganização societária é necessário compatibilizar a utilização e aproveitamento do acervo técnico. Trata-se de identificar as regras que pautaram a cisão parcial e a incorporação para evidenciar o aperfeiçoamento da operação.
As regras estabelecidas entre as empresas para a utilização do acervo técnico são importantes. Mas isso não permitirá de forma automática a duplicação da capacidade técnica retratada nos atestados. O aperfeiçoamento da operação vai depender da análise concreta.
A situação real será tanto mais verossímil quanto for minuciosa a descrição da transferência e integralização do acervo técnico entre as empresas cindida e cindenda.
Será preciso ficar suficientemente esclarecido se a empresa-mãe poderá ou não valer-se do específico acervo técnico em face da incorporação deste à empresa originada da cisão parcial e em que medida. Logo, após a cisão a utilização do acervo técnico deve observar se há regras quanto à detenção exclusiva do acervo técnico pela cindenda ou se há compartilhamento em determinada proporção.
6. Conclusão
Apenas a dissonância entre denominações sociais e CNPJ da detentora anterior e da atual dos atestados não permite que se conclua pela ausência da capacidade técnico-operacional de determinada pessoa jurídica.
As empresas não são estruturas inertes, autônomas com relação aos profissionais e aos bens que as integram. Muito pelo contrário: a organização empresarial nada mais é do que a reunião dos elementos humano e material na realização de objetivos comuns.
Importa, então, qual é a estrutura pessoal e material que fundamenta a organização empresarial à qual devem ser imputados os atos praticados.
Isso se revela tanto mais verdadeiro quando houver coincidência entre os responsáveis técnicos de ambas as empresas, a quem cabe a concepção e a realização dos mais diversos projetos e que tenham participado da execução dos contratos que deram origem ao acervo técnico.
Haverá de demonstrar-se, para efeito de admitir a aptidão técnico-operacional da empresa originada da cisão parcial, a perfeita linha de continuidade em termos de conhecimento técnico e padrão de qualidade que se verifica entre as empresas cindida e incorporadora. Isso porque a concepção que orientou a criação da cindenda precisa decorrer da experiência adquirida pelo corpo técnico da empresa cindida.
Informação bibliográfica do texto:
OLIVEIRA, Fernão Justen de. WARNECKE, Ana Lucia Ikenaga. A preservação do acervo técnico recebido por cisão societária. Informativo Justen, Pereira, Oliveira e Talamini, Curitiba, nº 12, fev. 2008, disponível emhttp://www.justen.com.br//informativo.php?l=pt&informativo=12&artigo=789, acesso em 31/08/2015.
Measure
Measure
Notas relacionadas
Sumário Executivo - Novo Modelo.pdf - Lumin PDF
Sumário Executivo Divisão do Estudo Caderno 1 Plano Diretor de Iluminação Pública Apresentação da Empresa Iluminação de Locais Públicos Caderno 2 Estudos Técnicos Proposta para Iluminação Públi...
Introdução
Seja Bem-vindo ao Evernote Coloque tudo em um lugar — suas notas, imagens, documentos, capturas da Web e notas de áudio. Localize o que você está procurando com a nossa pesquisa avançada. A sincroniza...
© 2023 by Lone Journey. Proudly created with Wix.com